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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Casa das Áfricas: Amostra Sembene.

29ª MOSTRA DE CINEMA
"Pai do cinema africano", com 40 filmes no currículo, crê que sua função é refletir a realidade de seu país e falar a seu povo
Sembene promove sua "militância" social
cartaz sinopse Sembene


O "pai do cinema africano" foi premiado em Cannes no ano passado. Mas para o senegalês Ousmane Sembene, 82, o que importa é falar à sociedade em evolução. Em 40 anos de filmes sobre a sociedade africana, jamais sofreu de escassez de alvos para a sátira, que é sua marca registrada. Mas sempre reservou especial ridículo à elite endinheirada. Em "Xala" (75), ele os mostra lavando seus Mercedes com água mineral.
Com isso em mente, não é difícil perceber a atração do cenário que ele escolheu para viver. Seu escritório fica no primeiro andar de um caótico edifício no centro de Dacar. Vendedores ambulantes oferecem frutas secas e biscoitos aos transeuntes, o tráfego não anda, buzinas ecoam. O barulho e a fumaça chegam a nós pela janela, aberta para aliviar o calor. O observador sente que Sembene, um homem que vive o cinema, dificilmente poderia ter criado um cenário mais deliberado para retratar um homem imerso na África.
Mas o estilo de Sembene jamais foi introspectivo. Sua característica dominante é uma independência tão teimosa quanto beligerante. Ex-escritor, criado no sul do Senegal, escolheu o cinema como maneira de falar a seus compatriotas: "Crio para falar a meu povo, a meu país. A prioridade é que meu povo me compreenda".
Ele talvez não se incomode com a recepção que seus filmes têm no mundo ocidental, mas está convencido de que seu trabalho tem um papel no desenvolvimento africano. "A África precisa ver seu próprio reflexo. Uma sociedade progride fazendo perguntas a si mesma. Por isso quero ser um artista que questiona seu povo."
Levando em conta que esse questionamento o fez retratar os líderes africanos de forma pouco lisonjeira, não surpreende que ele tenha encontrado problemas para exibir seu trabalho na África. "Xala" sofreu 12 cortes antes de ser exibido em Dacar; "Ceddo" ficou proibido por muitos anos.
A escassez de salas na África Ocidental também causa dificuldades de acesso a seu trabalho, por isso Sembene se encarrega pessoalmente de levar o cinema ao público. Organiza turnês com caminhões transportando seus filmes a aldeias distantes e discussões após cada exibição. "Para mim, o cinema não gira em torno dos negócios. O que realmente importa é a militância."
E também o senso de comunidade. O entusiasmo de Sembene por exibições ao ar livre e discussões públicas, em lugar do anonimato da experiência cinematográfica convencional, reflete a importância de conseguir que a platéia se envolva com seu trabalho. Isso levou críticos a relacionar seu cinema à tradição oral africana, sob a qual aldeias se reúnem para ver narrativas das histórias locais em espetáculos públicos.
Mas, quando essa interpretação é sugerida a ele, Sembene recebe a idéia com exasperação. "Essa forma de narrar teve sua era histórica", contesta. "É como os menestréis, na Inglaterra. Os africanos não devem se sentir limitados por isso, dizendo que somos assim. A África do passado não retornará."
Se os filmes de Sembene são "africanos", portanto, é porque refletem a evolução da identidade do continente, e não porque se demoram na exibição de uma pitoresca nostalgia cultural. "Ou a África adota sua era, seu tempo, ou não. Não existe alternativa", diz, protestando contra as teorias que seu trabalho suscita entre os críticos ocidentais.
Tendo exposto sua posição, ele se torna mais expansivo ao discorrer sobre as contradições que a sociedade africana enfrenta e que se refletem em seus filmes. Fala do conflito de valores entre os políticos senegaleses educados no Ocidente e os líderes espirituais nacionais, cuja educação é árabe, e do esforço de cada uma dessas facções para conduzir o país a um determinado futuro. Fala do impacto das estações privadas de rádio que hoje existem em toda a África Ocidental, em comunicação com as imensas audiências usando idiomas africanos e causando ansiedade à elite francófona. E fala também da influência dos filmes e novelas ocidentais, uma forma de colonialismo cultural que distorce as prioridades africanas. "Todos esses conflitos conduzem a África a um momento de grande responsabilidade. É uma encruzilhada, um momento de escolha entre determinados valores. Mas, como artista, meu problema é ver essas contradições e expô-las à minha sociedade."

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