Em 1810 existia em Londres um
bairro onde eram apresentados shows de horrores com participações de anões, mulheres barbadas
e outras atrações consideradas bizarras pelo povo na época. Dentre elas estava
Saartjie Baartan, uma empregada doméstica africana de 25 anos que foi levada à
Inglaterra pelo seu patrão Hendrick Caesar, que decidiu ganhar dinheiro
apresentado-a publicamente como a selvagem Vênus Hotentote. Saartjie pertencia
à tribo dos hotentotes, cuja característica predominante era o acúmulo de
gordura nas nádegas e o chamado "avental hotentote", uma anomalia na
região genital.
Ela fazia seu show dentro de uma
jaula, com uma roupa que mais expunha do que escondia seu corpo e, instigada
por seu "dono", dançava, atacava a plateia e era ridicularizada.
Quando autoridades locais começaram a investigar e acusar Caesar de escravidão,
eles foram embora para Paris. Lá, Saartjie passou não apenas a ser apresentada
publicamente como uma criatura abominável, obrigada a participar de shows
eróticos, mas também a se prostituir.
É esta história triste e verídica
que o diretor e roteirista franco-tunisiano Abdellatif Kechiche (O Segredo do Grão)
conta em seu Vênus Negra (Venus Noire, 2010), exibido no último
Festival de Veneza e provavelmente um dos filmes mais chocantes do ano. Pesado
e com longas cenas ininterruptas que mostram a horrível exposição pela qual
Saartjie era vítima, é quase uma tortura assisti-lo. Mesmo assim, prende o
espectador durante suas 2h40 de duração.
O grande destaque de Vênus
Negra é a estreante atriz cubana Yahima Torres. Assim como a
verdadeira Saartjie, ela tem seu corpo exposto na tela durante quase todo o
filme e sua expressão é de apatia. Apenas em dois momentos sua personagem
chora, em cenas que emocionam.
O questionamento por trás do
roteiro é "até onde vai a curiosidade e a exploração humana perante
algo ou alguém considerado fora dos padrões?". A história da Vênus
Hotentote se passou no século XIX, mas a dúvida é pertinente também aos dias de
hoje. Claro que não existem mais shows de horrores nas ruas, mas a nossa
exploração da morbidez resiste You Tube afora. É impossível não
manter os olhos fixos em Saartjie Baartan. Vênus Negra tenta entender
a linha tênue que separa o curioso do humilhante.
Veja trailer:
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